Progressos e percalços do relacionamento entre as duas regiões foram relatados por embaixadores brasileiros e árabes durante webinar promovido pela Câmara Árabe nesta quarta-feira (24).
Alguns projetos que envolvem Brasil e países árabes ficaram em suspenso ou foram adiados em função da pandemia da covid-19, mas as relações entre as duas regiões seguiram se desenvolvendo em vários aspectos no período e o comércio com determinados mercados até aumentou. Embaixadores do Brasil nos países árabes e dos países árabes no Brasil falaram sobre o assunto em webinar promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira nesta quarta-feira (24).
A pandemia afetou a implementação de uma linha aérea direta entre Brasil e Egito e provocou o cancelamento de viagens para aproximação diplomática entre os países, mas, por outro lado, a importação de fertilizantes árabes pelo Brasil seguiu firme, os jordanianos compraram mais produtos brasileiros, e o Brasil se fortaleceu como fornecedor de alimentos dos Emirados Árabes.
Mansour, secretário-geral da Câmara Árabe
Doze diplomatas apresentaram a realidade que a crise da covid-19 impôs aos seus países ou nos quais atuam. A conversa foi mediada pelo vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara Árabe, Osmar Chohfi, e pelo secretário-geral, Tamer Mansour. Também falaram no webinar o presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun, o decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil, Ibrahim Alzeben, e o subsecretário de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África do Itamaraty, Kenneth da Nóbrega.
O encontro foi aberto colocando em evidência a importância do trabalho diplomático para as relações e o comércio entre os países. “Vocês têm essa extrema responsabilidade, essa missão da diplomacia, e da diplomacia econômica, na qual têm que entender do país que representam e do país onde estão sediados, entender da cultura, dos negócios, da economia, dos problemas sociais, das soluções, e fazer esse equilibro, fazer essas relações funcionarem”, disse Hannun aos embaixadores.
Egito
Embaixador do Brasil no Cairo, Antonio Patriota
No webinar, o embaixador do Brasil no Cairo, Antonio Patriota, deu a notícia de que uma linha aérea direta entre São Paulo e o Cairo estaria em fase de implementação pela companhia EgyptAir se não fosse a covid-19. Patriota contou também das boas perspectivas para a economia do Egito, apesar da covid-19. “É uma das poucas economias da região e do mundo que não vão entrar em crescimento negativo”, disse Patriota, em referência ao ano fiscal 2019/2020, que se encerra neste mês e ao ano fiscal seguinte. O país implementou uma série de reformadas econômicas recentemente apoiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Embaixador do Egito em Brasília, Wael Ahmed Kamal Aboul Magd
A covid-19 afetou a economia local, apesar de que isso não trouxe revés significativo na relação com o Brasil, segundo Patriota. O embaixador acredita, no entanto, que é preciso dinamizar e tirar melhor proveito da relação Brasil-Egito. O país árabe tem um acordo de livre comércio com o Mercosul, mas os principais produtos que o Brasil exporta ao Egito já eram livres de taxas antes do tratado, segundo ele. “O desempenho comercial muito bom não é fruto necessariamente do acordo”, disse Patriota.
O embaixador do Egito em Brasília, Wael Ahmed Kamal Aboul Magd, falou sobre a necessidade de um comércio mais equilibrado entre Brasil e Egito. Atualmente, o Brasil exporta muito mais ao país árabe do que importa dele. “A balança comercial é de números significativos, porém, há um desequilíbrio na nossa relação, as exportações do Brasil ao Egito são bem maiores”, disse ele. O diplomata também acredita que os resultados do acordo Mercosul-Egito estão ainda abaixo do esperado.
Marrocos
O embaixador do Brasil em Rabat, Julio Bitelli, disse que a diversificação da pauta comercial é fundamental entre os países. “Por enquanto, nós dependemos, na pauta bilateral, muito ainda da importação de fosfatos e derivados de fosfatos do Marrocos, e vendemos sobretudo produtos agrícolas como açúcar e milho”, informou.
O embaixador do Brasil em Rabat, Julio Bitelli
Ele disse que há um esforço importante na diversificação. “A experiência na embaixada em Rabat, com a presença do adido agrícola, tem rendido frutos muito importantes. Nós conseguimos introduzir, por exemplo, importações pelo Marrocos de produtos de soja brasileira e estamos trabalhando em outros produtos também. É preciso pensar que certas tarifas ainda são bastante elevadas, e que o Marrocos tem tratados de livre comércio com mais de 50 países, inclusive EUA, União Europeia, Turquia, países importantes, e isso é um desafio adicional para as exportações brasileiras”, declarou.
Ele registrou sua admiração pelas medidas adotadas pelo Marrocos no combate à pandemia de covid-19. “Os números aqui estão absolutamente razoáveis, e estão permitindo, a partir desta semana, uma reabertura gradual, mantendo obviamente as necessárias cautelas, mas o Marrocos vem lidando com a pandemia de maneira exemplar”, disse.
O embaixador do Marrocos em Brasília, Nabil Adghoghi
O embaixador do Marrocos em Brasília, Nabil Adghoghi, reiterou a fala de Bitelli sobre a diversificação da pauta comercial entre os países para além do agronegócio. “As indústrias automobilística e aeronáutica têm potencial muito promissor, levando em conta a alta competitividade brasileira nessas duas indústrias, e o rápido crescimento marroquino em ambas”, disse.
Nabil Adghoghi também disse achar promissor o setor de maquinário agrícola e mencionou forte intenção de cooperação junto à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para intercâmbio de conhecimento em relação ao agronegócio. “Nossa região é semiárida, temos escassez de água e a Embrapa deve desenvolver uma alta expertise no Nordeste do Brasil. E seria bom vender esse conhecimento, savoir faire, para os empresários árabes na área agrícola”, disse o embaixador.
Jordânia
Embaixador do Brasil em Amã, Ruy Amaral
O embaixador do Brasil em Amã, Ruy Amaral, comentou sobre o ano de 2019 para o comércio entre os países. “Foi um ano excepcional para o comércio entre o Brasil e a Jordânia. As exportações brasileiras cresceram 26%, atingindo um nível recorde na história, somando US$ 330 milhões, no mesmo momento em que os embarques da Jordânia para o Brasil cresceram 230%, e nestes cinco primeiros meses de 2020 tiveram crescimento de 1.780%. Essa é uma grande notícia, nosso comércio ainda continua desequilibrado, mas muito menos desequilibrado que no ano passado, e nós sabemos que o comércio equilibrado é mais saudável, mais sustentável”, declarou. Praticamente 100% das exportações da Jordânia são fertilizantes, segundo Amaral, e do lado brasileiro, estão concentradas em carne, frango, milho, celulose e café.
Amaral também expressou sua admiração pela maneira como o governo jordaniano enfrentou a pandemia. “No dia 15 de março, quando havia dez casos no país, o governo decretou que a partir de 18 de março o país entraria em lockdown. Os transportes públicos foram suspensos. Todo comércio e toda atividade produtiva do país foi fechada, a maior parte dos órgãos governamentais foram fechados, os carros proibidos de circular. As pessoas podiam no máximo ir a pé até mercados e farmácias próximas a suas casas, que eram as únicas coisas que estavam abertas”, disse.
Ele lembrou ainda que houve um toque de recolher entre 18 horas e 10 horas e também durante todo o fim de semana, e que isso foi respeitado por mais de 99% da população. “Com isso, os números melhoraram extraordinariamente. Para citar um exemplo, nos últimos três dias, não houve registro de nenhum novo caso de pessoas afetadas pela covid-19 na Jordânia.
Desde o início de maio, a vida começou a voltar ao normal no país. “Hoje a vida em Amã já é uma vida quase normal, com algumas precauções, evidentemente, como não pode deixar de ser, mas o comércio, atividades produtivas, tudo funcionando normalmente. Eu acho que isso foi o fruto de uma política corajosa e muito bem sucedida”, disse.
Kuwait
Nasser Almotairi, embaixador do Kuwait em Brasília
O embaixador do Kuwait em Brasília, Nasser Almotairi, afirmou que falar do Kuwait é falar da região do Golfo Árabe. “Todos os países do Golfo visam diversificar e não depender totalmente do petróleo, e se transformar em centro financeiro e econômico”, declarou.
Ele disse que há incentivos para atrair investimentos estrangeiros oferecendo isenção de impostos para toda região do Golfo, com a possibilidade de empresas brasileiras de participarem na Visão Kuwait 2035. “Qualquer país que tenha uma visão como essa tem instrumentos, nós temos o fundo soberano kuwaitiano, que está muito interessado em investir em infraestrutura, e há conversas sobre este assunto”, disse.
Durante a visita da ministra Tereza Cristina ao Kuwait, ano passado, Almotairi disse que foi apresentado um projeto para apoiar pequenos agricultores das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Tamer Mansour disse que essa era uma grande notícia para a iniciativa privada brasileira. “Sobre o interesse dos fundos para investir na infraestrutura e na segurança alimentar, acredito que a Câmara Árabe pode trabalhar juntamente ao governo brasileiro para tentar incrementar cada dia mais essa relação”, afirmou Mansour.
Emirados Árabes Unidos
Embaixador do Brasil em Abu Dhabi, Fernando Igreja
O embaixador do Brasil em Abu Dhabi, Fernando Igreja, falou sobre a importância da relação entre o Brasil e os Emirados na questão da segurança alimentar na pandemia. “Houve certo temor de que a pandemia pudesse afetar de alguma maneira essa relação, mas o que nós vimos é que isso não aconteceu. Os Emirados procuraram o Brasil neste período, preocupados com a questão de segurança alimentar. O Brasil é um grande exportador de alimentos para os Emirados Árabes, o comércio foi de US$ 2,8 bilhões ano passado, e houve uma preocupação evidente com todo o fechamento das rotas comerciais”, disse.
Segundo Fernando Igreja, manter o abastecimento na pandemia foi uma das preocupações dos Emirados. “E o Brasil foi parceiro dos Emirados neste momento, nossas exportações não se reduziram, a Câmara Árabe teve um papel importante nisso, e nós continuamos nessa parceria, unidos aos Emirados para continuar sendo fornecedores de alimentos”, declarou.
Cônsul geral dos Emirados em São Paulo, Ibrahim Salem Alalawi
O cônsul geral dos Emirados em São Paulo, Ibrahim Salem Alalawi, convidou os participantes do webinar a entrar em contato com as autoridades competentes nos Emirados para estreitar as relações entre os países, principalmente no setor privado e industrial. Ele também falou sobre o adiamento da Expo 2020 em Dubai. “É uma pandemia, afetou o transporte aéreo no mundo inteiro. Mas se Deus quiser vamos comemorar no ano que vem, todos os países do mundo, a Expo 2020 será um encontro de todas as partes do mundo”, declarou.
Líbano
Embaixador do Líbano em Brasília, Joseph Sayah
O embaixador do Líbano em Brasília e vice-decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil, Joseph Sayah, falou um pouco sobre a queda nos embarques para o Líbano. “Infelizmente, como todos sabem, a relação com o Líbano caiu muito em 2020 por causa de várias situações do Oriente Médio e especialmente por causa da pandemia. Em outubro passado já começamos as negociações com o Mercosul e completamos quase 75% dessas negociações. Agora estamos ansiosos para terminar as negociações técnicas”, disse. Ele espera que a situação com a Argentina no Mercosul não afete o acordo. “Mas estamos olhando para frente para assinar com o Mercosul, que vai aumentar muito o intercâmbio comercial entre o Líbano e o Mercosul e o Líbano e o Brasil”.
Embaixador da Mauritânia em Brasília, Wagne Abdoulaye
Mauritânia
Representando a Mauritânia, o embaixador em Brasília, Wagne Abdoulaye, afirmou que a relação entre os dois países é excelente. “Temos excelentes relações comerciais e econômicas, e realmente a Mauritânia pode desempenhar um papel importantíssimo como hub para produtos brasileiros nos países do Maghreb e nos países da África; podemos desempenhar esse papel importantíssimo no estreitamento da relação Brasil-países africanos”, disse.
Bahrein
O encarregado de negócios da embaixada do Bahrein em Brasília, Bader Alhelaibi, também participou do webinar. “Essa é a embaixada mais recente do Brasil, e que conseguiu rapidamente triplicar as relações econômicas entre os dois países”, disse Tamer Mansour.
Encarregado de negócios da embaixada do Bahrein em Brasília, Bader Alhelaibi
Alhelaibi reafirmou o compromisso da embaixada em apoiar esforços para estreitar as relações econômicas e comerciais entre os países e deu as boas-vindas a investimentos brasileiros na região. “Gostaria de mencionar que pela localidade estratégica e pelas leis que facilitam investimentos externos, e suas relações com outros mercados do Golfo, o Bahrein tem atrativos para outros investimentos no país. A nossa embaixada apoia empresários brasileiros e do Bahrein na troca de visitas para conhecerem de perto as oportunidades existentes nos dois países. É muito importante que nos conheçamos e conheçamos os meios de estreitar essas nossas relações”, disse. Ele finalizou afirmando que as portas da embaixada estão sempre abertas para os investidores brasileiros.
Liga Árabe
Qais Shqair, embaixador da Liga Árabe no Brasil
O embaixador Osmar Chohfi parabenizou a Liga dos Estados Árabes pelos 75 anos de sua criação e convidou o embaixador da Liga no Brasil, Qais Shqair, para falar algumas palavras no evento. Shqair afirmou que o trabalho político acompanha o trabalho econômico, e lembrou que cerca de 5% da população brasileira tem origem árabe. “Existe também uma longa história de relação e da participação do Brasil nas causas árabes, existe uma aceitação do Brasil no mundo árabe e isso reflete na economia. O consumidor árabe prefere produtos brasileiros”, disse.
Entrando na seara política, Shqair lembrou que a Liga Árabe é constituída por 22 países árabes, e que a presença político-econômica do Brasil nesses países é muito importante. “A presença econômica do Brasil no mundo árabe é importante, mas tem que haver também uma presença política. Eu gostaria de ver mais presença político-econômica”, disse. Ele acredita que o Brasil pode ter uma participação mais ativa na causa Palestina. “O Brasil pode desempenhar um papel mediador mais forte para a resolução de muitas crises árabes, principalmente no conflito árabe-israelense. Essa é a mensagem que eu gostaria de transmitir, eu sei que o webinar concentra nos assuntos econômicos, mas há uma interligação entre a política e a economia”, declarou.
Acesse conteúdo completo do webinar.
Fonte: ANBA